Trabalho apresentado no X Congresso Estadual de Espiritismo - USE - São Paulo, 30/6/1997. Publicado em Reformador, novembro de 1998.


O GRUPO DE ESTUDOS ESPÍRITAS DA UNICAMP:

HISTÓRICO E DIRETRIZES

Silvio Seno Chibeni


Resumo:

Neste trabalho relata-se a experiência do Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp (GEEU), que promove reuniões semanais de estudo no campus universitário desde 1979. Inicialmente, apresenta-se um breve histórico do Grupo. Em seguida, as diretrizes que têm direcionado suas atividades são expostas e comentadas.

I. UM BREVE HISTÓRICO

1. As origens

Ao ingressar na universidade, em 1977, fiquei sabendo da existência Grupo Universitário de Estudos Espíritas (GUEE), que se reunia semanalmente nas dependências da Faculdade de Engenharia de Alimentos. Aberto à participação de todos os interessados, esse grupo era coordenado por alguns alunos bastante dedicados à tarefa. Deixou de existir no final de 1978 ou início do ano seguinte, quando quase todos os seus integrantes concluíram suas atividades na Unicamp.

Pouco depois, muito provavelmente no ano de 1979, alguns alunos espíritas, em sua maioria dos cursos de graduação em física e química, convidaram-me para uma reunião de estudos, na sala IF-15 do Instituto de Física Gleb Wataghin. Éramos não mais do que dez pessoas, nenhuma das quais, com exceção de mim, havia participado do extinto GUEE. Afigura-se-me à percepção presente que foi a primeira reunião do atual grupo de estudos. Consolidando-se gradativamente, e divulgando suas atividades, passou a ser freqüentado também por funcionários e, mais tarde, por alguns docentes da universidade.

2. As reuniões

Visto que a universidade é uma instituição que, por sua natureza, não se dedica a pesquisas espíritas, sempre tivemos o cuidado de solicitar autorização oficial para utilizarmos suas dependências. Essa circunstância influiu na transferência do Grupo, poucas semanas após a referida reunião, para uma das salas de aula do Instituto de Química (IQ). À época, o Instituto tinha como diretor o Professor Aécio Pereira Chagas, que desde então vem colaborando com o Grupo, não apenas quando das renovações anuais do pedido de uso de sala (para o que alguns outros docentes do IQ também têm emprestado seu apoio), mas também participando ativamente das reuniões, em diversas oportunidades.

Nos anos iniciais, havia em geral mais do que uma reunião por semana, até o máximo de quatro, durante um ou dois semestres, com vistas ao desenvolvimento de estudos específicos de diversas obras. Depois, fatores circunstanciais diversos acabaram determinando a concentração das atividades em apenas uma reunião semanal, como ocorre hoje.

No final de 1994 o Grupo transferiu-se para o auditório da Diretoria Geral da Administração (DGA), na qual à época trabalhavam alguns de seus mais assíduos integrantes. Pudemos utilizar esse local até o final de 1996. No presente ano, reinstalamo-nos no IQ.

As reuniões têm duração aproximada de uma hora e meia, e são iniciadas e encerradas com breves momentos de prece. O número de pessoas tem variado muito ao longo dos anos e ao longo dos períodos letivos. Ordinariamente, observa-se acentuado declínio da freqüência nos finais de semestre, época de provas e exames. Houve tempos em que estávamos presentes apenas uma ou duas pessoas. Atualmente, têm comparecido de quinze a trinta pessoas, acima portanto da média histórica, que deve girar em torno de dez freqüentadores.

3. Algumas dificuldades

Entre os problemas de ordem material enfrentados pelo Grupo, destaca-se a alteração e, por vezes, a precariedade do local de reunião. Ressente-se também da insuficiência e efemeridade dos meios de divulgação.

Mas, acima de tudo, a flutuação do público tem sido o fator que mais negativamente interfere no desenvolvimento de estudos sistemáticos e seqüenciais ao longo dos anos. Essa flutuação tem um componente inevitável o fato de que, por sua natureza, o corpo discente da universidade não é fixo , e outro que se liga ao interesse e dedicação incertos de boa parte daqueles que se aproximam do Grupo. A experiência evidencia que nos agrupamentos espíritas costuma ser reduzida a fração daqueles que perseveram no estudo, que assumem responsabilidades e flexibilizam suas demais atividades em benefício da causa espírita.

4. Atividades adicionais

A finalidade precípua do GEEU é o estudo sistematizado do Espiritismo em suas reuniões semanais. No intento de incrementar a divulgação do Espiritismo, nos anos de 1995 e 1996 o Grupo promoveu três semanas espíritas, que consistiram de ciclos de palestras e feiras do livro espírita. Nas feiras, procuramos dar ênfase às obras de Allan Kardec e outras de reconhecido valor doutrinário. Serviram não somente para divulgar a literatura espírita, mas também para dialogar mais diretamente com pessoas da comunidade universitária interessadas no Espiritismo.

Desde 1995, um membro do Grupo mantém na Internet uma homepage destinada a divulgar o Espiritismo em sua pureza original. Trata-se de uma das primeiras iniciativas do gênero, explorando esse novo canal de divulgação doutrinária, cuja importância é cada dia maior. Voltada prioritariamente à comunidade internacional, essa página é escrita quase que integralmente em inglês, e tem apresentado expressivo e compensador retorno. (Nota de 10/3/97: por razões de força maior, a homepage original, intitulada "Spiritism to the World", encontra-se temporariamente fora do ar.)


II. DIRETRIZES DE ATUAÇÃO

1. Divulgação.

O GEEU sempre julgou indispensável estar aberto à participação de todos os interessados. A cada semestre, renova-se a divulgação das reuniões por toda a universidade, por meio de cartazes, boletins de notícias (quando possível) e, mais recentemente, pela Internet.

2. Fidelidade doutrinária.

O GEEU é um grupo de estudo de Espiritismo. Embora respeitemos as demais abordagens do elemento espiritual, de natureza religiosa, mística, filosófica ou supostamente científica, acreditamos que, assim como ocorre nas academias, deve haver uma especialização de atividades. Pessoas que queiram estudar essas vertentes não-espíritas têm toda a liberdade de formar outros núcleos e participar das instituições que melhor atendam aos seus interesses. O GEEU, porém, tem por finalidade exclusiva manter dentro da universidade um espaço no qual se possa aprender e aprofundar os conhecimentos genuinamente espíritas.

Análises do Espiritismo à luz da moderna filosofia da ciência revelam seguramente que ele constitui uma verdadeira ciência, um programa científico de pesquisa, ou paradigma científico, com corpo teórico, conceitos e metodologia próprios e autônomos, como lucidamente notou o próprio Allan Kardec. No primeiro capítulo de seu livro A Gênese, ele adverte que embora o Espiritismo seja progressivo e aberto como qualquer ciência, seu desenvolvimento deve se processar segundo os recursos heurísticos e teóricos do próprio programa espírita, sem a enxertia apressada de elementos estranhos, venham de onde vierem. Reconhecendo as "verdades práticas" das demais ciências, o Espiritismo estará em harmonia com elas, naquilo que houverem estabelecido de forma estável. Seu papel é complementá-las na investigação da Natureza, examinando o elemento espiritual, de que elas não se ocupam, por sua própria concepção.

Igualmente, pode-se mostrar que as propostas de investigação dos aspectos espirituais da realidade que surgiram depois do Espiritismo com o propósito de suplantá-lo enquanto ciência, tais como a metapsíquica e a parapsicologia, invariavelmente não lograram alcançar esse objetivo, por falhas conceituais, teóricas e metodológicas diversas. É comum que pessoas e grupos do meio universitário interessados no estudo de fenômenos espíritas não percebam adequadamente esse fato, e acreditem que o estudo científico de tais fenômenos deva se desenvolver segundo essas perspectivas paralelas ao Espiritismo. Indivíduos com esse enfoque aparecem, de tempos em tempos, no nosso Grupo, afastando-se alguns, quando verificam que ali estudamos "só" Espiritismo, integrando-se outros, quando se dispõem a aprofundar conosco a questão. (Aliás, esse assunto foi, em diversas ocasiões, detalhadamente examinado por nós, resultando daí alguns textos que se encontram publicados na imprensa espírita. Veja-se, por exemplo, Chibeni 1988 e 1994. Os artigos de Aécio Chagas, Ademir Xavier Jr. e Juvanir Borges de Souza listados no final poderão também ser consultados a esse respeito.)

3. O roteiro de estudos

Embora este ponto não estivesse claro para todos os participantes das reuniões iniciais do Grupo, gradualmente foi-se estabelecendo que os estudos deveriam gravitar em torno do núcleo doutrinário estabelecido por Allan Kardec. Desse modo, alguns meses após sua criação o GEEU já tomava O Livro dos Espíritos como o centro de suas atenções. Não apenas essa obra aborda de maneira segura, embora por vezes sucinta, todos os princípios centrais do Espiritismo, mas igualmente define-lhe os conceitos fundamentais. Além disso, sua organização didática dos assuntos pode ser aproveitada como um excelente roteiro de estudos, que enseja as oportunas complementações, com base nas demais obras de Kardec e da literatura espírita de boa qualidade que surgiu após elas.

Conforme já mencionado, houve épocas em que o GEEU manteve mais de uma reunião semanal: uma para o estudo do Livro dos Espíritos, outra para o Livro dos Médiuns, outra para o Evangelho segundo o Espiritismo e outra para principiantes. Essa multiplicidade de reuniões especializadas não se pôde sustentar por muito tempo, dada a falta de recursos humanos. Mas por diversos anos conseguimos manter a reunião dedicada ao estudo aprofundado do Livro dos Médiuns, que constitui a base experimental da ciência espírita. Posteriormente tentamos, em vista do interesse mais direto das pessoas que então freqüentavam o Grupo, introduzir um roteiro de temas que não obedeciam à ordem estrita do Livro dos Espíritos, sempre porém com base nas obras fundamentais. Esse roteiro mostrou-se útil durante algum tempo. De uns anos para cá, retomamos a seqüência do Livro dos Espíritos, ao lado de alguns tópicos especiais, como a história do Espiritismo e questões relativas ao movimento espírita.

Não nos propomos a percorrer tantos capítulos ou itens em tanto tempo, como é comum acontecer em cursos de instituições espíritas mais formalizadas. O que nos interessa é a compreensão satisfatória dos textos básicos, desde a introdução, parágrafo por parágrafo, bem como dos pontos complementares suscitados por seu estudo. Não temos pressa de cumprir programas, mas de aprender. Tem acontecido de o estudo de um único capítulo de O Livro dos Espíritos estender-se por quase um semestre.

Dado o caráter flutuante do grosso dos freqüentadores, há uma recorrente necessidade de esclarecer e orientar novos membros, que não raro chegam com um nível de conhecimento doutrinário elementar, ou com distorções de compreensão doutrinária. Isso nos leva a abrir "parênteses" mais ou menos longos no roteiro estabelecido. Se tal circunstância dificulta o aprofundamento e o estudo metódico dos temas, por outro lado é levada em conta em nossa proposta. Não estamos lá para nos encerrar em um círculo de pretenso saber; além de não corresponder à realidade, isso representaria a extinção certa do Grupo. Queremos tornar a idéia espírita disponível a todos os interessados que se acerquem de nós, seja qual for a sua condição doutrinária ou cultural, contanto que movidos pela vontade sincera de aprender. Em meio a um movimento espírita onde vicejam tantas idéias mal fundamentadas e tantas esquisitices, acalentamos a esperança de contribuir para a preservação da doutrina, ainda que de forma muito limitada, divulgando textos fundamentais e ressaltando sua excelência em nossas discussões.

4. Desvinculação institucional.

Não obstante a seriedade com que sempre procurou atuar, o GEEU nunca pretendeu institucionalizar-se.

Não obstante constitua uma verdadeira ciência (e também, pode-se argumentar, uma filosofia e uma religião), o Espiritismo distingue-se das ciências acadêmicas, pela especificidade de seu objeto de estudo e de seus objetivos. Assim, não vemos como apropriada a sua inserção institucional nas academias, pelo menos na presente era da Humanidade (veja-se Chagas 1994).

Quanto às relações do GEEU com o movimento espírita, igualmente não formalizadas, têm sido harmônicas e produtivas. Vários dos participantes do Grupo desenvolvem atividades regulares ou excepcionais junto a instituições espíritas de Campinas e de outras cidades. O Grupo também já teve a oportunidade de convidar pessoas ligadas a essas instituições para apresentar palestras ou seminários, especialmente quando da realização das semanas espíritas. As três feiras de livros promovidas nessas ocasiões contaram com a eficiente e simpática colaboração da distribuidora de livros da USE-Campinas.

5. Integração fraterna.

Temos envidado esforços para que as relações humanas entre os membros do Grupo sejam o mais fraternas possível. Gostaríamos que laços de amizade se juntassem ao interesse comum pelo estudo do Espiritismo, e isso em muitos casos tem-se verificado. O clima fraterno não apenas faz parte essencial de nossa vida moral, incrementando as condições de nossa felicidade, mas também mostra-se altamente favorável para o próprio desenvolvimento dos estudos, contribuindo para a superação dos melindres, da timidez, do isolamento durante as reuniões.

Referências

BORGES DE SOUZA, J. "Pesquisas e métodos", Reformador, abril de 1986, pp. 99-101.

CHAGAS, A. P. "O que é a ciência", Reformador, março de 1984, pp. 80-83 e 93-95.

----. "As provas científicas", Reformador, agosto de 1987, pp. 232-33.

----. "A Ciência confirma o Espiritismo?" Reformador, julho de 1995, pp. 208-11.

----. "O Espiritismo na Academia?" Revista Internacional de Espiritismo, fevereiro de 1994, pp. 20-22 e março de 1994, p. 41-43.

CHIBENI, S.S. "A excelência metodológica do Espiritismo", Reformador, novembro de 1988, pp. 328-33, e dezembro de 1988, pp. 373-78.

----. "O paradigma espírita", Reformador, junho de 1994, pp. 176-80.

XAVIER JR., A. L. "Algumas considerações oportunas sobre a relação Espiritismo-Ciência", Reformador, agosto de 1995, pp. 244-46.